segunda-feira, 27 de junho de 2011

Uso da Citocentrífuga em exames citológicos em medicina veterinária.

O objetivo deste “post” é esclarecer os colegas veterinários sobre o uso prático da citocentrífuga nas amostras de líquidos obtidos de pacientes na prática clínica veterinária, sem se delongar nos detalhes da física de fluídos e centrifugação.

Nossa citocentrífuga apresenta a capacidade de usar uma pequena quantidade de líquido para a efetivação do exame, sendo que os volumes podem variar de 0,2 a 1,0 ml, conforme a quantidade de células em suspenção na amostra. Este fato se deve ao uso de um meio absorvente entreposto à lâmina e funil de concentração.

É frequente na prática da medicina veterinária a obtenção de amostras de líquidos pleurais, abdominais, pericárdicos, sinoviais, lavados traqueobrônquicos, lavados orais, uterinos e de líquor com concentração muito baixa de células, o que, por vezes, impede a análise citológica e mesmo diferencial do fluído em questão, ou por não haver quantidade de células quantificáveis em uma extensão (esfregaço) ou porque as células em questão estão dispersas nas lâminas, impedindo sua caracterização e interpretação de forma adequada.

Em medicina veterinária, tem-se feito o uso da citocentrífuga, principalmente na avaliação do trato respiratório de equinos, porém o uso desta técnica é ampla e pouco explorada. Apenas poucos laboratórios fazem o uso deste equipamento devido ao custo do investimento.

A citocentrífuga tem a capacidade de produzir a concentração de células de um líquido em uma pequena região da lâmina de microscopia, permitindo a visualização do conjunto de células contidas no fluído e desta forma tornando uma amostra, que anteriormente não seria quantificável/qualificável morfologicamente, mais fidedignamente analisada.

O processo de análise das células obtidas por esta técnica deve ser criteriosa, pois com o processo de citocentrifugação, algumas alterações morfológicas podem ocorrer se o emprego da força e tempo de centrifugação não forem bem empregadas e que em nosso laboratório é minimizado pela relação, velocidade X tempo de centrifugação, uma vez que nossa máquina permite usar de 1 a 30 minutos à velocidade de 100 a 2000 RPM.

Para o uso prático e rotineiro desta técnica, fatores pré-analíticos devem ser observados, como:
- Enviar amostra fresca, conservada sob refrigeração, evitando o contato com o gelo;
- Enviar amostra líquida isenta de coágulos, e para tanto se deve fazer o uso de tubos de colheita, tanto sem conservantes quanto o tubo contendo EDTA.

Amostras isentas de EDTA produzem células com melhor qualidade morfológica, porém o EDTA é fundamental para evitar coagulação, principalmente em transudatos modificados e exsudatos.

IMPORTANTE! Lesões neoplásicas císticas não devem ter somente o líquido cavitário examinado, pois tais fluídos poderão conter apenas debris celulares (restos necróticos) e células inflamatórias, mascarando o processo neoplásico confinado ao tecido ou parede do cisto. Nestes casos o cisto deve ser esvaziado e serem produzidas lâminas, usando as técnicas convencionais de citologia aspirativa, obtendo-se material tecidual (parede ou tecido circunjacente) para efeito diagnóstico.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Dividir material para envio ao laboratório. Posso?

Existem vários profissionais e proprietários que, em busca do melhor para seu paciente/animal, preferem realizar exames em mais de um laboratório para certificar-se do resultado.

Como médico veterinário e proprietário de cinco cães e um gato, posso entender a preocupação em querer resolver o problema logo, para o bem estar, tanto meu como dos meus animais, porém existem inconvenientes no processo de aliquotagem de amostras, tanto para análises clínicas como para anátomo-patológicas.

Peguemos como exemplo uma amostra de sangue para hemograma. Caso a amostra tenha sido colhida em um tubo com o anticoagulante correto e posteriormente, uma alíquota transferida para outro tubo com EDTA, após a melhor homogenização, o excesso de EDTA do tubo receptor causará interferência na amostra e consequentemente na análise clínica a ser realizada.

Continuando com o mesmo exemplo e tomando em conta que a amostra de sangue foi colhida em tubos diferentes, respeitando suas capacidades e proporção amostra x anticoagulante. Cada laboratório possui aparelhos hematológicos diferentes, mesmo sendo do mesmo modelo, marca, data de fabricação, etc., os aparelhos devem ser considerados distintos, pois podem se comportar de maneira diferente. As condições climáticas, temperatura da sala, reagentes usados e calibrações são fontes de “interferência” nas análises. O mesmo aparelho, mesmo com a melhor reprodutibilidade, pode gerar resultados diferentes (lógico que dentro de um coeficiente de variação conhecido), quem dirá aparelhos de locais diferentes.

Devido ao discorrido acima, cada laboratório deve ter seus próprios meios de controle de qualidade e traçar os valores de referência para as amostras que recebe.

Desta forma a comparação “ipsis litteris” entre análises de estabelecimentos diferentes não pode ser realizada, entretanto, deve existir relação entre os valores obtidos e os valores de referência.

Exemplificando: se uma amostra de soro canino normal for submetida à prova de AST por método colorimétrico em um laboratório X e para a mesma prova, por método cinético UV em outro, os valores estão completamente discrepantes entre si, porém devem estar dentro da referência estabelecida.

Laboratório X:
AST: 8 UI/L (referência: 5-15 UI/L)

Laboratório Y:
AST: 34 UI/L (referência: 10-80 UI/L)

Vejam, os valores obtidos não podem ser comparados entre si, porém em ambos os casos, encontram-se dentro da referência estabelecida pelo laboratório.

Se o resultado do soro for acima da referência no laboratório X o mesmo deve acontecer no laboratório Y.

Partindo do falso principio que amostras de fluidos corpóreos são homogêneas e levando em consideração o disposto anteriormente, não haverá “diferenças” na interpretação entre os resultados obtidos pelos laboratórios X e Y, desde que primem pela manutenção da qualidade e as amostras sejam exatamente as mesmas (colhidas, acondicionadas e tratadas da mesma forma). O mesmo não ocorre em amostras para exames histopatológicos.

Em anatomia-patológica, não deve existir o conceito que a lesão é homogênea.

Para uma compreensão mais fácil, vamos usar como exemplo testículos acometidos por processos neoplásicos. Pode-se encontrar em um mesmo testículo dois tipos de tumores, como por exemplo um Leydigoma e um tumor das células de Sertoli. Imagine o problema de discrepância entre os resultados se uma clivagem for produzida neste tecido, enviando um tipo de tumor para o laboratório X e outro tipo de tumor para Y.

Outro inconveniente frequente é enviar uma porção da mama para um patologista e outra para outro colega. Em uma mesma cadeia mamária podem ser encontrados tipos histológicos completamente diferentes de tumores, incluindo tumores de linhagens embrionárias distintas.

Fragmentos obtidos por atos cirúrgicos com o uso de eletro cautério podem favorecer a divergência de resultados, enviando a parte cauterizada e consequentemente necrótica para um laboratório e a parte viável para outro, desta forma um resultado será completamente inconclusivo.

Em anatomia patológica os tecidos obtidos devem ser encaminhados para um único lugar. Caso ocorra a necessidade de uma segunda opinião, o proprietário ou o médico veterinário responsável pelo caso tem todo o direito de solicitar blocos e lâminas para encaminha-los a outro patologista.

Enviar amostras de tecido clivados para lugares diferentes dão a falsa impressão de estar ganhando tempo. Perde-se mais tempo tentando resolver situações causadas pela divisão das amostras, do que solicitar uma segunda opinião após a emissão do laudo, além de que as técnicas de macroscopia são padronizadas e ambos os patologistas estudarão a mesma lesão histológica.

A segunda opinião é um direito do colega veterinário e do proprietário, visando o principal: o bem estar do paciente.