quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Histopatológico de tumores de mama de cadelas – fazer ou não fazer?

E corriqueiro na prática clínico-cirúrgica o questionamento do médico veterinário na validade de enviar o produto de mastectomia para exame histopatológico. Muitas vezes esta indagação se deve ao conceito de que em casos de neoplasmas malignos, não há o que ser feito a não ser aguardar a recidiva ou a ocorrência de metástase.

A incidência de tumores mamários corresponde a cerca de 50% da totalidade de neoplasmas em cães. Estudos clínicos cirúrgicos demonstram que cerca da metade a 70% destes tumores são malignos.

Os clínicos e cirurgiões veterinários se valem dos conceitos básicos das neoplasias para nortear a conduta clínico-cirúrgica de manutenção ou exérese do tecido mamário doente, uma vez que estes conceitos tem forte correlação com o comportamento clínico e a malignidade do tumor, ou seja, tumores com crescimento lento, expansivos, não aderidos aos planos adjacentes e circunscritos são considerados benignos. Ao contrário; tumores com crescimento rápido, apresentando aderências aos planos adjacentes, caracterizando invasividade, necróticos e/ou ulcerados apresentam características malignas. Apesar de estas características estarem fortemente relacionadas ao comportamento do neoplasma, não podem ser tomadas como uma máxima. Tumores malignos podem estar escondidos em pequenos nódulos com características de benignidade.

Partindo do principio oncológico chamado progressão, pequenos tumores, inicialmente benignos (e monoclonais) podem, por alterações celulares vinculadas ao ciclo-celular, interações com a matriz extracelular, fatores endócrinos, ambientais, processos inflamatórios locais, etc... sofrerem mutações, criando clones celulares viáveis, com potencial maligno. A perda de capacidade apoptótica, proteínas alteradas relacionadas ao ciclo celular, deleção de componentes reguladores do ciclo celular e autoindução ao ciclo celular ou auto estimulação com fatores de crescimento produzidos pela célula, são exemplos de possíveis mutações que podem ocorrer durante a progressão de um tumor. O tumor mamário inicialmente benigno, i.e. monoclonal, passa a ser policlonal. O processo de policlonalidade é mais facilmente entendido, estudado e confirmado em neoplasias malignas e cultivos celulares.

Desta forma, pequenas lesões, clinicamente benignas devem ser tratadas com potencialidade de transformação maligna.

As glândulas mamárias de cadelas estão distribuídas em duas cadeias pára-mediais ventrais ao longo do corpo, sendo composta, cada cadeia, por cinco glândulas e respectivas papilas, distribuídas da região torácica até a região inguinal. Variações anatómicas podem ser encontradas, dentre elas glândulas e papilas extranumerárias e mais raramente agenesia de uma, ou algum par.

Existem algumas designações anatômicas, ordenando topograficamente os pares de mamas em cadelas, sendo uma delas a seguinte:
  • Primeiras mamas torácicas;
  • Segundas mamas torácicas;
  • Terceiras mamas torácicas;
  • Primeiras mamas abdominais;
  • Segundas mamas abdominais e
  •  Mamas inguinais.

Devemos lembrar que o tecido mamário é drenado por sistema linfático, tendo sua linfa escoada para os linfonodos inguinais, axilares e esternais internos, na dependência da localização da mama.

Estudos realizados, usando desde carvão coloidal à fluoresceína têm demonstrado as vias de drenagem linfática em cadelas, sendo verificado que as glândulas mamárias torácicas tem sua linfa drenada por vasos para os linfonodos axilares e external. As mamas inguinais e segundas abdominais tem drenagem direcionada para os linfonodos inguinais.

A espécie canina possui geralmente um linfonodo inguinal em cada lado, porém, devido às variações anatômicas podem ser encontrados dois ou três linfonodos adjacentes entre si.

A linfa das segundas mamas torácicas podem ser drenadas para regiões craniais e/ou para as porções caudais, desta maneira atingindo linfonodos inguinais e/ou axilares e esternais.  

Não há uma via exclusiva de drenagem linfática mama-linfonodo satélite, sendo que a linfa contida nos vasos passará por outros tecidos, incluindo outras mamas no trajeto até atingir o linfonodo, como exceção das mamas “terminais”, que terão sua linfa somente drenada para o nódulo linfático regional.

O entendimento do sistema linfático das mamas de cadelas tem fundamental importância no tratamento de doenças mamárias em cadelas. Canceres epiteliais tendem a se disseminar por esta via, e então, acometer o caminho para o linfonodo satélite, atingindo-o. A disseminação hematógena é tem menor ocorrência nos tumores epiteliais, ao contrário dos sarcomas que fazer desta via, sua preferencial.

Estudos em oncologia clínica são concordantes que o maior sucesso na terapia de canceres mamários é o procedimento cirúrgico em bloco com a remoção dos linfonodos regionais.

Mastectomias em bloco, submetidas a exame histopatológico têm mostrado alta eficiência, não apenas na caraterização do tumor primário (diagnóstico anatomopatológico), mas também na detecção de comprometimento de margens cirúrgicas profundas, laterais e metástases linfáticas, predizendo a probabilidade de recidiva e de metástases.

Ao exame histopatológico, com detecção de margens cirúrgicas comprometidas ou muito próximas do tumor, assim como o acometimento do linfonodo, permitem ao cirurgião optar por novo ato cirúrgico e ao oncologista decidir qual o protocolo terapêutico a ser adotado.

Fatores prognósticos também podem ser encontrados ao exame dos tumores, uma vez que existe correlação entre o grau de malignidade com outros achados, como invasividade tissular, vascular, índice proliferativo, resposta dos componentes da matriz extracelular, dentre outros.

Recentemente, veterinários cirurgiões-pesquisadores, sistematizaram a remoção de tumores mamários e constataram que nos casos de adenocarcinomas mamários, houve mais de 60% de envolvimento de musculatura esquelética abdominal.

Desta forma, existe a recomendação de remover o bloco de mamas com margens cirúrgicas de pelo menos dois a três centímetros de cada lado, conjuntamente com parte da musculatura reto abdominal.

Pesquisadores em oncologia tem se mostrado irredutíveis contra o procedimento cirúrgico em casos onde já podem ser detectadas metástases pulmonares, uma vez que a remoção dos tumores primários podem permitir que os secundários entrem em processo proliferativo acentuado por diminuição dos mecanismos de retroalimentação negativa sobre os mesmos, porém não levam em consideração o bem estar dos pacientes que tiveram os tumores primários removidos. Concordamos com tais oncologistas apenas nos casos onde o comprometimento metastático é suficiente para oferecer risco cirúrgico aumentado ou quando o paciente já se encontra em estagio terminal, não havendo nitidamente possibilidade de produzir melhora nas condições de vida do animal.

A grande maioria dos veterinários envolvidos em procedimentos de mastectomia por neoplasia, relatam a melhora da atividade física do paciente, ganho de peso e interatividade com os proprietários após o ato cirúrgico. Uma das possíveis causas é atribuída a remoção de moléculas produzidas ou evocadas pelo tumor, como por exemplo IL-2 (interleucina 2), IF-gama (interferon-gama), TNF (fator de necrose tumoral), entre outras, que tem atividade local e sistêmica.

Estudos oncológicos demostram que a taxa de sobrevida de animais mastectomizados com metástases pulmonares e sob terapia com doxorrubicina, podem não terem sido alteradas, contudo existiu melhor qualidade de vida dos pacientes e consequentemente dos proprietários. A melhoria da qualidade de vida de pacientes terminais (ou com esta probabilidade) deve ser almejada uma vez que é nossa obrigação profissional.

Sugestão de procedimentos frente à neoplasia mamária em cadelas:

·         Remova qualquer processo mamário neoplástico, por menor que seja;
·         Promova a mastectomia tendo em mente o sistema linfático das mamas, lembrando de remover no bloco, as mamas do trajeto. Caso a mama acometida seja a segunda abdominal, dê preferencia para mastectomia unilateral completa;
·         Amostre os linfonodos, isso é importante em termos prognósticos;
·         Lembre-se, tumores malignos podem acometer musculatura esquelética abdominal e que esta também deverá constar da peça cirúrgica;
·         Envie a peça cirúrgica para exame histopatológico em sua integralidade para que sejam avaliadas as margens. 
·         Use o recurso da quimioterapia.
·         Tenha em mente a qualidade de vida do paciente e de quem os acompanha.